quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Discalculia : Tropeçando em números


Confusões com os sinais matemáticos e dificuldades para fazer simples continhas podem estar ligadas a um distúrbio neurológico.

Paola Gentile


Que número vem depois do 22? Para a grande maioria das crianças que passou pela primeira série, a resposta é quase automática. Mas, para algumas poucas, acertar a seqüência dos números é um grande desafio. A razão pode estar na discalculia, um problema causado por má formação neurológica e que se manifesta como uma dificuldade da criança em realizar operações matemáticas, classificar números e colocá-los em seqüência. Nas fases mais adiantadas da vida escolar, a discalculia também impede a compreensão dos conceitos matemáticos e sua incorporação na vida cotidiana. Detectar o problema, no entanto, não é fácil. 

Na pré-escola, já é possível notar algum sinal do distúrbio, quando a criança apresenta dificuldade em responder às relações matemáticas propostas - como igual e diferente, pequeno e grande. Mas ainda é cedo para um diagnóstico preciso. É só a partir dos 7 ou 8 anos, com a introdução dos símbolos específicos da matemática e das operações básicas, que os sintomas se tornam mais visíveis. Foi o que aconteceu com Inês, hoje com 16 anos. Nos primeiros anos escolares, ela era vista pelos professores como uma menina indisciplinada, que não prestava atenção nas aulas e, por isso, tinha aproveitamento ruim, especialmente em matemática. A discalculia só foi diagnosticada depois que Inês passou por várias escolas e repetiu de série.

Embora reconheça os números, a criança que tem o distúrbio não consegue estabelecer relações entre eles, montar operações e identificar corretamente os sinais matemáticos. Para ela, é como se, de repente, o professor estivesse falando uma língua desconhecida. Mas, ao contrário do que muitos pais imaginam, a discalculia nada tem a ver com inteligência, podendo atingir pessoas com bom potencial de aprendizagem em diversas áreas. Geralmente, ela aparece associada a outros distúrbios - como a ADD (Desordem do Déficit de Atenção), que se reconhece pela dificuldade de concentração e organização. Além disso, é comum a falta de noção espacial, levando quem tem o problema a derrubar objetos, esbarrar em móveis, como se não tivesse noção da extensão de seus braços e pernas.

Semelhante à dislexia - dificuldade com o aprendizado da leitura e da escrita -, a discalculia infantil ocorre em razão de uma falha na formação dos circuitos neuronais, ou seja, na rede por onde passam os impulsos nervosos. Normalmente os neurônios - células do sistema nervoso - transmitem informações quimicamente através de uma rede. A falha de quem sofre de discalculia está na conexão dos neurônios localizados na parte superior do cérebro, área responsável pelo reconhecimento dos símbolos.
Efeito dominó 
Caso não seja detectado a tempo, o distúrbio pode comprometer o desenvolvimento escolar de maneira mais ampla. Inseguro devido à sua limitação, o estudante geralmente tem medo de enfrentar novas experiências de aprendizagem por acreditar que não é capaz de evoluir. Pode também vir a adotar comportamentos inadequados tornando-se agressiva, apática ou desinteressada. Sem saber o que se passa, pais, professores e até colegas correm o risco de abalar ainda mais a auto-estima da criança com críticas e punições. Por isso, é importante chegar a um diagnóstico rápido, de preferência com a avaliação de psicopedagogos e neurologistas -e começar o tratamento adequado.

Os psicopedagogos geralmente iniciam a terapia visando melhorar a imagem que a criança tem de si mesma, valorizando as atividades nas quais ela se sai bem. O próximo passo é descobrir como é o seu próprio processo de aprendizagem. Às vezes, ela tem um modo de raciocinar que não é o padrão, estabelecendo uma lógica particular que foge ao usual. A partir daí, quando esta "porta" é descoberta, uma série de exercícios neuromotores e gráficos vão ajudá-la a trabalhar melhor com os símbolos. Quanto à escola, é necessário que os professores desenvolvam atividades específicas com este aluno, sem necessidade de isolá-lo do resto da turma nas outras disciplinas.

No caso de Inês, foram necessários cinco anos de trabalho psicopedagógico especializado, em um colégio que deu a ela atenção individualizada. A garota não deixou de freqüentar a série em que estava, mas os ensinamentos de matemática eram feitos com material concreto (cubos de madeira, bolas etc.), inclusive nos primeiros anos do segundo grau. Desta forma, os conceitos foram construídos e internalizados a seu modo e Inês pôde prosseguir a vida escolar sem maiores problemas. O tempo desse tipo de "tratamento", no entanto, depende de cada caso. É importante que o aluno só deixe de receber atendimento especializado quando readquire a autoconfiança. Já o uso de remédios é necessário somente para minimizar possíveis sintomas associados, como distúrbios de atenção e hiperatividade.
Reflexos no aprendizado
Veja os requisitos necessários para o aprendizado da matemática e as dificuldades causadas pela discalculia.
Aptidões esperadas
Dificuldades
3 a 6 anos
  • Ter compreensão dos conceitos de igual e diferente, curto e longo, grande e pequeno, menos que e mais que
  • Classificar objetos pelo tamanho, cor e forma
  • Reconhecer números de 0 a 9 e contar até 10
  • Nomear formas
  • Reproduzir formas e figuras
  • Problemas em nomear quantidades matemáticas, números, termos, símbolos
  • Insucesso ao enumerar, comparar, manipular objetos reais ou em imagens
6 a 12 anos
  • Agrupar objetos de 10 em 10
  • Ler e escrever de 0 a 99
  • Nomear o valor do dinheiro
  • Dizer a hora
  • Realizar operações matemáticas como soma e subtração
  • Começar a usar mapas
  • Compreender metades, quartas partes e números ordinais
  • Leitura e escrita incorreta dos símbolos matemáticos
12 a 16 anos
  • Capacidade para usar números na vida cotidiana
  • Uso de calculadoras
  • Leitura de quadros, gráficos e mapas
  • Entendimento do conceito de probabilidade
  • Desenvolvimento de problemas
  • Falta de compreensão dos conceitos matemáticos
  • Dificuldade na execução mental e concreta de cálculos numéricos

Entrevistados: Nivea Maria Fabrício, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia;Luiz Celso Pereira Vilanova, chefe da neurologia infantil da Universidade Federal de São Paulo.




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